segunda-feira, 23 de abril de 2012

Opinião: A propósito do Dia do Professor “A ética do ensino e os sentidos da educação”

Pode-se identificar o ensino como uma tarefa formativa. Actualmente, a referência à problemática da formação tende a reduzir-se à da aquisição de competências técnico-profissionais, subordinando as finalidades educacionais, as aprendizagens, e os currículos académicos, aos objectivos do saber-fazer. 


Esta visão do ensino tende a iden-tificar-se com o paradigma dominante nalguns modelos educacionais hodiernos, tor-nando a docência numa actividade unidimensional, na qual o docente seria, sobretudo, um técnico do ensino. O objectivo deste texto é o de propor uma reflexão o(s) sentido(s) da educação à luz de novos paradigmas de ensino-aprendizagem, orientados para a complexidade do mundo actual, em contraponto a esta tendência para uma concepção unilateral. 


Nesta perspectiva, o docente deixa de inscrever a sua acção apenas na esfera da tecnicidade, para a inserir numa actividade que releva tanto da técnica como da ci-ência e da arte, e os sentidos ou as finalidades da formação alargam-se aos campos social, ético, estético, antropológico, emocional-afectivo, ontológico e axiológico, ou seja, às dimensões formativas da cidadania, da eticidade, da arte, do saber-ser e dos valores. A formação especializada é hoje incontornável, porque o aumento de conhecimentos é exponencial em todas as áreas, não sendo possível uma abrangência comparável à do universalismo renascentista. Já nem dentro de uma disciplina se pode dominar os conhecimentos, como acontece, por exemplo, na física, cindida entre o estudo do Universo infinitamente grande, e a das partículas, mecânica quântica ou física atómica. Retomando hoje a afirmação de Pascal, não se pode compreender o todo sem as partes, ou seja, o saber sem as disciplinas ou domínios especializados. Mas este afirmou também que não se entendem as partes sem o todo no qual se inscrevem. Todo o saber é contextual, e isolá-lo é produzir uma abstracção. 


Do mesmo modo, o professor cabo-verdiano vive na sua cultura e na sua inserção no mundo global, no seu tempo e no conhecimento da história, na tradição que o constitui e no futuro a que se abre. A referência à tradição não significa a de um passado inerte, mas a de uma história viva, que pode ser retomada, não em função de uma nostalgia dos tempos volvidos, mas de uma herança a repensar, visando novas possibilidades. A história da formação tem como uma das suas matrizes a Paideia helénica, significando educar, cultivar, e formar, com base numa metáfora estética: assim como o artista modela os materiais a fim de lhes con-ferir uma forma, o educador é um formador. Mas a forma não é imposta nem acabada: é vista antes como um processo de auto-formação de si pelo estudante, orientado pelo professor, que é mais alguém ajudando o formando a despertar para o ser e saber, do que aquele que possui o saber e o transmite - à maneira da maiêutica socrática, precursora das actuais pedagogias da criatividade. A formação como "paideia" aparece associada ao humanismo, ao ser humano concebido como fim, e não apenas como meio. Sem uma visão humanista, o ensino orientado apenas para o mercado torna-se numa espécie de fábrica de seres adquirindo competências para a produção, e não seres formados. O professor deixa de usar o Logos - razão, argumentação, discurso - para se limitar a utilizar uma racionalidade instrumental. Retomando na modernidade estes ideais humanistas da "paideia" helénica, o conceito de formação como "Bildung" (construção) no romantismo alemão identifica-se com o processo de um tornar-se pessoa do formando, através de um percurso existencial onde o sujeito interage com o seu meio social, cultural e geográfico, num processo de construção de si em relação com o mundo. A forma literária deste processo originou o romance de formação, do qual o "Chiquinho" de Baltazar Lopes é um exemplo em contexto cabo-verdiano. A infância, os amores, os estudos, as tragédias naturais e sociais, a emigração, são etapas na formação do personagem que se vai construindo através da experiência pessoal e social.


 A educação formativa supera a mera instrução, rompendo com a uniformização à qual a massificação do ensino pode conduzir. A uniformidade revela-se incompatível com a democracia, que implica uma formação para a diversidade de pontos vista, o confronto de ideias, a formação para a pluralidade de modos de expressão, das ciências às artes, das técnicas às filosofias. É por isso que neste texto não se refere a uma unicidade de sentido da educação, mas à tarefa de construir sentidos que poderia ser um dos horizontes da docência no Cabo Verde do século XXI.

 *Professor da Universidade de Cabo Verde - Investigador do Gabinete de Filosofa da Educação (GFE) da Universidade do Porto. *Carlos Bellino Sacadura

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